29.1.11

Cidade, experiências poéticas

“…a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes.”
Italo Calvino in “as cidades invisíveis”

Existe uma cidade onde a luz única amplia o imenso colorido do casario que se estende e difunde pelas suas sete colinas de paisagem inventada para debruar um rio que é quase mar, espelho imenso onde amiúde se revê e deixa ver. A este cenário, só por si encantatório, acrescem inúmeras camadas históricas e sucessivos passados em permanentemente diálogo com o presente. Da conjugação de todos estes aspectos resulta uma alma e uma aura às quais não é possível permanecer alheio. Este facto concorre para que muitos escritores, tenham tido para com ela um olhar comprometido e cúmplice, transpondo-o posteriormente para as suas obras literárias. No caso particular da poesia, esta tendência assume particular relevo. Muitos poetas de referência da cultura portuguesa, marcaram de forma indelével cada um dos lugares, ruas e praças, desta cidade que se chama Lisboa, reforçando-lhe o espírito e a poética.

A poesia em articulação com cada um dos lugares que descreve, constitui uma dimensão invisível da cidade, um imenso património intangível, que poderíamos percorrer, afagados pelo aprazível cântico dos poetas, uma cidade na qual nos poderíamos perder de acordo com o pensamento de Benjamin (1992:p115). “(…)Perder-se, …, numa cidade, tal como é possível acontecer num bosque, requer instrução. Nomes de ruas devem então falar àquele que se perdeu como o estalar de ramos secos, e pequenas ruas no interior da cidade devem reflectir-lhe as horas do dia com tanta clareza como se fossem um vale”.


Para tal, haveria necessidade de fornecer pistas e referências que possibilitassem a inteligibilidade e a fruição da cidade e da poesia, através de uma intervenção de design que de modo consciente e sustentável, enfatizasse a poética da cidade, dinamizasse o espaço público, protegesse as suas dinâmicas sociais.


O espaço público do centro histórico da cidade, é ainda local de encontro e de trocas culturais e afectivas, mas a sua dimensão simbólica deve ser permanentemente enfatizada, o seu sentido sublinhado, incentivando assim, vivências e experiências que produzam dinâmicas, pelo que o design (de acordo com Lynch, 2003), deve convidar à exploração das mesmas. Precisamos efectivamente de um meio ambiente que não seja somente bem organizado, mas também poético e simbólico, que encoraje a retenção de memórias e que nos fale das nossas tradições e da nossa história.